Quando um restaurante com tr&ecirc;s estrelas Michelin resolve ultrapassar seus pr&oacute;prios limites, o resultado &eacute; pura poesia sensorial.

Houve um tempo em que o mundo ainda estava por ser descoberto. Uma era dourada dos esp&iacute;ritos inconformistas, movidos pelo desejo de enxergar al&eacute;m das bordas dos mapas, desbravadores que cruzavam oceanos e desertos em busca de cores, aromas e sabores que nunca haviam sido experimentados. Um deles, Marco Polo, narrou seus feitos em Il Milione, o livro das maravilhas. S&eacute;culos depois, fui eu quem embarcou nessa viagem. E embora n&atilde;o tenha atravessado a rota da seda, bastou uma escada estreita dentro do restaurante Lasarte, em Barcelona, para mergulhar numa experi&ecirc;ncia que me tirou completamente do lugar comum. Confesso: cheguei com o p&eacute; atr&aacute;s. Tenho uma certa apreens&atilde;o com experi&ecirc;ncias imersivas. Muitas vezes, elas se apoiam mais na cenografia do que na subst&acirc;ncia. Mas logo percebi que ali era diferente. Tudo, da arquitetura &agrave; ilumina&ccedil;&atilde;o, do sil&ecirc;ncio ao primeiro gesto de servi&ccedil;o, me conquistou aos poucos, com precis&atilde;o e delicadeza, sem pressa, como quem sabe exatamente aonde quer levar voc&ecirc;. Il Milione &eacute; uma obra sensorial onde cada detalhe est&aacute; ali para nos lembrar que o prazer, quando elevado ao extremo, pode ser uma forma de transcend&ecirc;ncia.

Acuarelas | Divulgação

Essa obra-prima tem assinaturas de peso. Mart&iacute;n Berasategui dispensa apresenta&ccedil;&otilde;es. Com 12 estrelas Michelin no curr&iacute;culo, &eacute; uma das figuras mais reverenciadas da gastronomia mundial. Paolo Casagrande, seu bra&ccedil;o-direito no Lasarte, &eacute; pura eleg&acirc;ncia e rigor, um veneziano que carrega em si o mesmo esp&iacute;rito explorador de Marco Polo. E Xavi Donnay, o mago dos doces, traz uma do&ccedil;ura precisa e nada &oacute;bvia &agrave; jornada.
A proposta de Il Milione nasce de um lugar de inquietude e n&atilde;o conformismo, exatamente como nasceu o pr&oacute;prio Lasarte, em 2006. Primeiro restaurante em Barcelona a conquistar tr&ecirc;s estrelas Michelin, o Lasarte sempre teve uma ess&ecirc;ncia voltada &agrave; excel&ecirc;ncia com leveza, sem teatralidade vazia. Ali, a t&eacute;cnica nunca sufoca a emo&ccedil;&atilde;o. Il Milione &eacute; o novo passo dessa caminhada, mais &iacute;ntimo, mais ousado, mais sensorial.

Xavi Donnay | Divulgação

Essa experi&ecirc;ncia n&atilde;o &eacute; aberta ao p&uacute;blico geral, &eacute; reservada apenas para oito pessoas por noite. O Il Milione acontece na antiga mesa do chef, agora transformada em um espa&ccedil;o imersivo acima do sal&atilde;o do Lasarte. De cima, vemos a brigada de cozinha a quatro metros abaixo, em sil&ecirc;ncio absoluto, como um bal&eacute; t&eacute;cnico onde tudo &eacute; medido, pesado e sincronizado. O ambiente &eacute; de uma eleg&acirc;ncia quase cinematogr&aacute;fica, escuro, moody, envolvente, com uma mesa que parece flutuar, envolta por luzes &acirc;mbar, aromas difusos e uma trilha sonora feita sob medida.

A marea alta | Divulgação

Depois do sil&ecirc;ncio ritual&iacute;stico da chegada, da primeira ta&ccedil;a de Champagne Krug, dos olhos percorrendo a sala &iacute;ntima como quem tenta absorver cada detalhe do cen&aacute;rio, chega o momento em que tudo muda. &Eacute; o instante em que o menu se revela. A travessia sensorial do Il Milione se inicia com uma s&eacute;rie de pequenos mundos em forma de prato. "Bound by the Seas" abre o caminho: uma sucess&atilde;o de aperitivos que evocam terras e mares distantes. Em seguida, "Pearls of the Sea" nos apresenta ostras em texturas surpreendentes, inspiradas nas rotas comerciais do Oriente. Mas &eacute; em "Silk Delight" que acontece o momento de pura genialidade: um croissant, ainda morno e crocante, servido com manteiga dourada e caviar ossetra. A combina&ccedil;&atilde;o, improv&aacute;vel &agrave; primeira vista, &eacute; sutil, elegante e absolutamente inesquec&iacute;vel, um &aacute;pice de criatividade. O menu segue com "Origins", a reinven&ccedil;&atilde;o do mil-folhas de foie gras e enguia defumada, depois, "Rising Tide" une mar, floresta e montanha num prato arom&aacute;tico e profundo. "Fishing Light", inspirado na pesca noturna galega, traz polvo e lula com perfei&ccedil;&atilde;o t&eacute;cnica. "The Marvels" surpreende com um suco frio de aspargos brancos, morango e camar&otilde;es, montado como um jardim comest&iacute;vel. "A Millenary Story" presta homenagem ao arroz ancestral da China e &Iacute;ndia em um risoto de terra e mar. Em "Deep Essence", o peixe virrey vem grelhado com vinagrete, ra&iacute;zes trufadas, redu&ccedil;&atilde;o de caranguejo e cereja amarena &mdash; um prato de mem&oacute;ria e eleg&acirc;ncia.

O genial Croissant com caviar | Divulgação

A carne surge em "Seduction", um veado marinado em koji com laranja e mirtilo transl&uacute;cido, seguido por "Hoshigaki", um doce em forma de caqui seco, que serve de ponte para a sobremesa. "Nectar", com miso, am&ecirc;ndoa e yuzu, &eacute; leve e c&iacute;trico, e "Ode to Cocoa", um tributo 100% ao cacau, encerra com intensidade tropical. Por fim, os "D&eacute;lices Sucr&eacute;s", petits-fours perfeitos como um ponto final bem escrito.

Um ode ao cacau | Divulgação

Mais do que impec&aacute;vel, o servi&ccedil;o &eacute; emocional. Joan Carles Ib&aacute;&ntilde;ez, uma lenda da sala espanhola, guia a experi&ecirc;ncia como um maestro. Ele conhece os vinhos, mas tamb&eacute;m se lembra de belas hist&oacute;rias em torno da experi&ecirc;ncia. E enquanto o menu se desenrola, tudo muda, das lou&ccedil;as &agrave; luz ambiente, acompanhando o ritmo do jantar como se fosse uma partitura. Nada &eacute; aleat&oacute;rio. As ta&ccedil;as s&atilde;o feitas &agrave; m&atilde;o pela Zwiesel Glas e s&atilde;o t&atilde;o leves que literalmente &ldquo;desaparecem&rdquo; da m&atilde;o. A porcelana vem de pequenos ateli&ecirc;s europeus e at&eacute; os talheres, como uma esp&aacute;tula de manteiga exclusiva, s&atilde;o resultado de colabora&ccedil;&otilde;es com designers. As aquarelas pintadas por Daniel Zlota com pigmentos naturais (como caf&eacute;, soja e arroz) ilustram os destinos que inspiraram os chefs. Il Milione &eacute; a viagem que eles escolheram fazer juntos, e nos convidam a embarcar. Mesmo quem come&ccedil;a com o p&eacute; atr&aacute;s, como eu, termina com o cora&ccedil;&atilde;o totalmente entregue.

Il Milione, a travessia do restaurante Lasarte em Barcelona

Tags

Posts relacionados

Gastronomia

Bistrot du Quartier de Claude Troisgros: Expansão e novos sabores

Gastronomia

Finalmente fui jantar no Nelita em São Paulo

Gastronomia

St. Moritz: Helena Silvarolli apresenta os 10 melhores restaurantes

Posts recomendados

Pop culture

Priscilla Presley revelou renda milionária em meio à polêmica

Hommes

Zayn Malik cancelou show no México por quadro de saúde

Pop culture

Fernanda Torres se prepara para as gravações de novo filme

Pop culture

Camila Cabello revela que ficou abalada com críticas ao novo disco

Pop culture

Ana Furtado emociona ao relembrar batalha contra o câncer de mama

Moda

Outdoor moments: quais peças escolher para ter o look perfeito?

Gastronomia

Canelle inaugura primeira loja conceito em São Paulo

Arte

SP-Arte: Danielian Galeria leva obras emblemáticas para o evento