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<p><em>Exist&ecirc;ncia simb&oacute;lica! Mostra que esteve em cartaz no Itaú Cultural encerra em grande estilo uma temporada em que a moda foi tratada como objeto artístico no Brasil.</em></p>
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<p style="text-align: justify;"><span>Para um <a href="https://www.revistalofficiel.com.br/cultura/luxo-esta-na-moda">país</a> com um calendário bissexto de exposições dedicadas à moda, 2024 foi um ano raro de agenda cheia. A depender da dupla Carol Barreto e Hanayrá Negreiros, a ideia é que o assunto siga fervendo. As duas assinam a curadoria de </span><span>Artistas do Vestir: Uma Costura dos Afetos</span><span>, exposição poderosa que ocupou três andares do Itaú Cultural, em São Paulo, até 23 de fevereiro, com dois objetivos muito claros em mente. Um é mostrar como a arte que parte dos (ou tenciona os) códigos da moda merece espaço cada vez maior no pensamento principal de galerias, museus e grandes mostras. O outro é reunir mais de 70 nomes para mostrar como esse tema tem produção pujante na realidade <a href="https://www.revistalofficiel.com.br/moda/couture-fashion-week-os-looks-das-brasileiras-nos-desfiles">brasileira</a>, da moda feita para a passarela às ancestralidades espalhadas pelo país.</span></p>
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<p style="text-align: justify;"><strong>L&rsquo;OFFICIEL: </strong><span><strong>Como foi a gestação dessa nova exposição?</strong><br /></span><span>HANAYRÁ NEGREIROS: </span><span>O Itaú Cultural já vinha querendo fazer uma exposição de moda e nos convidou. A última foi há dez anos, sobre a Zuzu Angel &ndash; então temos aí uma super-responsabilidade de vir depois de Zuzu e todo o seu legado, com o assunto entrando novamente na instituição. Estamos há quase um ano trabalhando nesse projeto. São 74 artistas, muita gente diferente. Pensamos em uma exposição em que a moda é a linguagem, mas de diversas maneiras. A roupa é o principal, mas </span><span style="font-family: inherit; font-size: inherit; font-style: inherit; font-variant-caps: inherit; letter-spacing: 0px;">temos diferentes suportes &ndash; pinturas, projeções, esculturas, acervos do século 19. Nossa preocupação era pensar moda de maneira expandida, sem uma linha cronológica. E sempre com o desafio de pensar em espaços do Brasil, fugindo do eixo Rio-São Paulo. Mesclamos nomes já estabelecidos com alternativos, pessoas que estão começando, comunidades tradicionais. <br /></span><span style="font-family: inherit; font-size: inherit; font-style: inherit; font-variant-caps: inherit; letter-spacing: 0px;">CAROL BARRETO: </span><span style="font-family: inherit; font-size: inherit; font-style: inherit; font-variant-caps: inherit; letter-spacing: 0px;">E lidando também com essa perspectiva de ampliar o entendimento do que é a roupa, do que é a aparência. Do que são as vestes, especialmente para essas comunidades. Partimos muito dessa crítica, do debate sobre moda e sustentabilidade e uma complexificação sobre o que é moda. Comemoramos do fashion ao trabalho de Irekran Kaiapó, uma mulher idosa, indígena, do Pará. O caminhão foi buscar a peça no sudoeste do estado, na aldeia dela. É algo que vem cheio do sagrado. É com esse respeito que pretendemos receber tudo.<br /></span><span style="font-family: inherit; font-size: inherit; font-style: inherit; font-variant-caps: inherit; letter-spacing: 0px;">HN: </span><span style="font-family: inherit; font-size: inherit; font-style: inherit; font-variant-caps: inherit; letter-spacing: 0px;">Pensamos especialmente em dois grandes pilares. Ao mesmo tempo que celebramos essas afetividades da moda, as memórias de família, também pensamos no sistema capitalista e exploratório que precisa ser criticado, no chão de fábrica e todas essas desigualdades que a moda produz.<br /></span><span style="font-family: inherit; font-size: inherit; font-style: inherit; font-variant-caps: inherit; letter-spacing: 0px;">CB: </span><span style="font-family: inherit; font-size: inherit; font-style: inherit; font-variant-caps: inherit; letter-spacing: 0px;">Do mesmo jeito que dividimos os núcleos, as famílias, em Ancestralidades, Contemporaneidades e Fazeres Contínuos, esses três aspectos passam por toda a exposição. Da obra de </span><span style="font-family: inherit; font-size: inherit; font-style: inherit; font-variant-caps: inherit; letter-spacing: 0px;">Lino Villaventura, que é cheia de bordados e está no piso das ancestralidades, à peça de Ellias Kaleb, que revisita a história da família, assim como Dete Lima, do Ilê Aiyê.</span></p>
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Karlla Girotto em processo da sua obra "A terra é a pele da Terra", idealizada especialmente para a mostra (Foto: AGENCIA OPHELIA / DIVULGAÇÃO)

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<p style="text-align: justify;"><strong>L&rsquo;O: </strong><span><strong>Sentiram certo peso da responsabilidade de educar esse público?</strong><br /></span><span>HN: </span><span>A todo momento, no diálogo com a expografia, com o educativo da instituição, sempre na preocupação de deixar acessível.<br /></span><span>CB: </span><span>É uma reivindicação para pensar a educação de maneira ampliada. Um investimento muito cuidadoso nessa educação de olhar, com a compreensão que a moda tem várias chaves para que possamos redesenhar o planeta, as relações. E para construir autoestima, num sentido amplo. Quando falamos nas maiorias minimizadas, essa forma de a roupa colocar as pessoas no mundo. Queremos nos comunicar com os transeuntes da Avenida Paulista. Que as pessoas que não se sin- tam parte da moda sejam convidadas e curiosas para estar ali. Que as pessoas saiam falando sobre a exposição com seu repertório, com suas palavras.</span></p>
<p style="text-align: justify;"><strong>L&rsquo;O: </strong><span><strong>Como foi o critério de curadoria?</strong><br /></span><span>HN: </span><span>Desde os nossos primeiros encontros, eu em São Paulo, Carol em Salvador, tudo foi surgindo de maneira muito orgânica. Trocamos e nos apresentamos muito repertório que já vinha das nossas pesquisas prévias. A ideia veio muito desse lugar de entender a moda como arte e como entendíamos os trabalhos artísticos dessas pessoas que dedicam a vida para pensar esse tecer, esse costurar, esse trajar, como algo muito simbólico para a existência humana. Diria que é esse o fio condutor da nossa curadoria.<br /></span><span>CB: </span><span>É um processo feito de muita sensibilidade, mas, também, muita responsabilidade. É uma maneira de requalificar a vida, repensar o que é consumo, criar relações mais duradouras com os objetos vestíveis que nos ornam e vamos colocando na nossa vida, não mais como algo que é descartável. E caminhamos para um momento de mundo muito dividido, estamos vendo isso em todos os países. Temos comunidades que nascem a partir da escolha, de conseguir entender quem somos e como nos relacionamos. Em paralelo, aquilo que vai sendo uniformizado, com religiões, com essas regras de gênero extremamente coercitivas e adoecedoras. A aparência passa por tudo isso.</span></p>
<p style="text-align: justify;"><strong>L&rsquo;O: </strong><span><strong>Vocês sentem haver um interesse crescente por ancestralidades e manualidades fora da bolha da moda?</strong><br /></span><span>HN: </span><span>Diria que sempre houve. Quando olhamos para as comunidades tradicionais, esse interesse sempre esteve ali. É tudo político, nós duas sempre partimos do pressuposto que moda é política. Quando saímos do eixo, entendemos o que essas comunidades sempre perceberam: que ali tem moda &ndash; de forma diferente do que vemos na passarela, mas com informação. E </span><span style="font-family: inherit; font-size: inherit; font-style: inherit; font-variant-caps: inherit; letter-spacing: 0px;">não somos nós que estamos dando esse crivo, sempre aconteceu. Gostamos de pensar na curadoria como mediação, de facilitar esse trânsito. Até brincamos que somos curadores da moda, pensando mesmo em uma ideia de cura.<br /></span><span style="font-family: inherit; font-size: inherit; font-style: inherit; font-variant-caps: inherit; letter-spacing: 0px;">CB: </span><span style="font-family: inherit; font-size: inherit; font-style: inherit; font-variant-caps: inherit; letter-spacing: 0px;">Nossas relações com a moda precisam se apaziguar neste momento, de maneira geral. São tantas histórias de exclusão, tantos desafios. Queremos que essa exposição seja potencializadora, trazer esses nomes para o conhecimento das pessoas. </span><span style="font-family: inherit; font-size: inherit; font-style: inherit; font-variant-caps: inherit; letter-spacing: 0px;">HN </span><span style="font-family: inherit; font-size: inherit; font-style: inherit; font-variant-caps: inherit; letter-spacing: 0px;">Tivemos esse grande desafio que, modéstia à parte, acho que conseguimos, de não hierarquizar os artistas. Sabemos que cada um ali tem trajetórias e projeções diferentes. Queremos gerar esse lugar de reflexão, fazer com que as pessoas possam se lembrar das próprias modas.<br /></span><span style="font-family: inherit; font-size: inherit; font-style: inherit; font-variant-caps: inherit; letter-spacing: 0px;">CB: </span><span style="font-family: inherit; font-size: inherit; font-style: inherit; font-variant-caps: inherit; letter-spacing: 0px;">Ao mesmo tempo, pretendemos provocar no campo e no campo da arte esse tensionamento. Temos pessoas talen- tosíssimas no Brasil, fazê-las verem sua potência, de estar numa galeria de arte, numa exposição internacional. Temos na mostra artistas com obras comissionadas, como Karlla Girotto, e outros que usam essa forma de vestuário como linguagem ou que tenham trazido algo de reflexo para esse contexto. Essa divisão fake entre moda e arte vem de concepções já há muito ultrapassadas.<br /></span><span style="font-family: inherit; font-size: inherit; font-style: inherit; font-variant-caps: inherit; letter-spacing: 0px;">HN: </span><span style="font-family: inherit; font-size: inherit; font-style: inherit; font-variant-caps: inherit; letter-spacing: 0px;">E sabemos que não demos conta de todas as narrativas, nem temos a pretensão de dar. Essa exposição é uma lufada, um fôlego que ganhamos de ar fresco. A ideia é que ela abra caminho para outras coisas &ndash; tanto para a gente, para outras pessoas, instituições, grupos curatoriais.</span></p>
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<p style="text-align: justify;"><strong>L&rsquo;O: </strong><span><strong>O Brasil é carente de exposições de moda, historicamente. Qual a importância que vocês enxergam dessa mostra, encerrando um ano atípico de interesse pelo assunto?</strong><br /></span><span>HN: </span><span>Acho que, além de enxergar, nós celebramos. O Brasil está começando a entender essa linguagem. Percebemos que as instituições estão cada vez mais olhando para ela como uma linguagem possível. A ideia é que isso continue quente.<br /></span><span>CB: </span><span>Na pesquisa para definir o caráter curatorial, sentimos um maior número e maior qualidade de produção de objetos estáveis. Vejo mesmo um movimento de ruptura dessa concepção de que o que é utilitário não é artístico. São outras vozes, outras comunidades, trazendo os seus saberes e fazeres para outras formas de visibilidade. Como Hanayrá falou, nas comunidades isso sempre foi algo muito sério. As vestes rituais, tudo passa pelo corpo em todas as culturas.</span></p>
<p style="text-align: justify;"><strong>L&rsquo;O: </strong><span><strong>Essa é uma exposição forte no conjunto, mas cada obra parece ter uma história própria muito potente.</strong><br /></span><span>HN </span><span>Sim, é o que queremos. É até um desafio dar conta de tanto conteúdo. Cada obra vai chamar tanta atenção que esperamos que as pessoas saiam com ideias para aprofundar mais. É aquele glitter que queremos jogar para que elas brilhem nas suas pesquisas.</span></p>
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Artistas do vestir: Moda e afetos na arte brasileira

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