Vivendo entre Paris e Lisboa, Leticia Maura conta como largou tudo para, aos 70 anos, exercitar o sonho e o talento de cantora e compositora

Pouca gente tomou conhecimento, mas, em agosto de 2023, uma mulher entrou no palco do Centro da Terra, em <a href="https://www.revistalofficiel.com.br/viagem/bate-e-volta-otimos-passeios-na-natureza-ao-lado-de-sao-paulo">S&atilde;o Paulo</a>, para fazer o seu primeiro show no Brasil. Um acontecimento corriqueiro se a figura em quest&atilde;o n&atilde;o fosse uma cantora de 70 anos que resolveu se arriscar atr&aacute;s de um sonho de inf&acirc;ncia.

Paulistana radicada na Europa, entre Lisboa e Paris, Let&iacute;cia Maura tem uma hist&oacute;ria de mil fases, constru&iacute;das na elegante paci&ecirc;ncia do budismo que desembocam em Try Me, o rec&eacute;m-lan&ccedil;ado &aacute;lbum que marca sua reestreia no campo da m&uacute;sica. As oito faixas, cantadas em ingl&ecirc;s e portugu&ecirc;s com produ&ccedil;&atilde;o de Vivian Kuczynski, explicam bem seu mood. Com poesia pr&oacute;pria, ambientada em bases majoritariamente eletr&ocirc;nicas que abrem caminho para a voz surpreendente, Try Me coloca Leticia dentro de um universo cool que pode lembrar outras mulheres, cantoras e poetas poderosas &mdash; incluindo a&iacute; Patti Smith, uma das suas divas, Marianne Faithfull ou Laurie Anderson &mdash; mas sem roubar da personalidade delas.

Curiosamente, a imagem maior &eacute; de Brenda Lee, cantora pop dos anos 1960 que conheceu atrav&eacute;s do pai (f&atilde; inveterado dos rom&acirc;nticos italianos) e da m&atilde;e, versada no piano cl&aacute;ssico. A fam&iacute;lia musical embutiu nela toda a vontade infantil de seguir por esse mundo, mas a cria&ccedil;&atilde;o da &eacute;poca, nem tanto. &ldquo;Eu sempre amei escrever, desde que me conhe&ccedil;o por gente, tinha l&aacute; os meus poemas e minhas pecinhas de teatro. E cantava I&rsquo;m Sorry, da Brenda, em cima de um caixote para as crian&ccedil;as da vila onde morava&rdquo;, relembra. &ldquo;Mas meu pai, que tinha essa cria&ccedil;&atilde;o r&iacute;gida da &eacute;poca, n&atilde;o queria uma filha artista. Ent&atilde;o tive que abafar o sonho e achar outro caminho para construir uma vida.&rdquo;

A trilha levou a agora cantora para o jornalismo, dali para Paris, na d&eacute;cada de 1990 &mdash; onde trabalhou por duas d&eacute;cadas na R&aacute;dio Fran&ccedil;a Internacional. J&aacute; nos anos 2000, veio a primeira tentativa formal na m&uacute;sica &mdash; gravou dois &aacute;lbuns como metade do duo Sao Paris, o que a fez ser a &uacute;nica mulher no casting do selo do DJ e produtor franc&ecirc;s Laurent Garnier. A dupla n&atilde;o vingou e a jornalista se voltou para a escrita, publicando um primeiro livro em 2008, enquanto exercitava suas composi&ccedil;&otilde;es apenas para si pr&oacute;pria.

O ponto de virada aconteceu h&aacute; sete anos, quando chegou a chance de ser promovida na r&aacute;dio francesa e alcan&ccedil;ar o que muitos considerariam um &aacute;pice de carreira. &ldquo;Ali, fiz uma an&aacute;lise de vida, percebi que tinha meios para parar de trabalhar como jornalista depois de uma vida constru&iacute;da de forma muito respons&aacute;vel. Apesar da tenta&ccedil;&atilde;o, n&atilde;o era a pessoa que comprava tudo na loja do Jean Paul Gaultier, que amo!", diverte-se. "Resolvi sair da r&aacute;dio e tentar meu sonho. Em um ano, j&aacute; tinha feito meu primeiro &aacute;lbum e percebi que era, sim, poss&iacute;vel.&rdquo;

Exercitar a vontade de inf&acirc;ncia n&atilde;o aconteceu apenas por capricho, mas por um olhar muito franco sobre a realidade &mdash; incluindo a&iacute; a das mulheres mais velhas. &ldquo;Eu n&atilde;o podia levar isso para o caix&atilde;o e, no &uacute;ltimo suspiro, me frustrar porque ningu&eacute;m me viu cantando. Acho que n&atilde;o h&aacute; erro quando se tenta realizar um sonho. Pode dar certo ou n&atilde;o, mas o erro n&atilde;o existe&rdquo;, reflete.

O primeiro &aacute;lbum, de 2019, foi soterrado pela pandemia. Em Try Me, Leticia leva as suas paix&otilde;es po&eacute;ticas para uma ambiance que tem mais a ver consigo mesma. E, nesse processo, se percebeu uma imagem inspiracional &mdash; que n&atilde;o renega, pelo contr&aacute;rio. &ldquo;Eu n&atilde;o escondo a idade. Ou, como gosto de dizer, meu momento biogr&aacute;fico &ndash; 70 anos &eacute; bastante! Mas percebo que sou uma luz no fim do t&uacute;nel para algumas mulheres que entram nessa faixa&rdquo;, conta. &ldquo;N&atilde;o fa&ccedil;o campanha, n&atilde;o vou abrir um Instagram 60+. Mas estou bem fisicamente, tenho um corpo superjovem pois me cuido muito, mantenho uma mente criativa, tenho amigos de todas as idades. A sociedade &eacute; uma condena&ccedil;&atilde;o para as mulheres maduras. Claro que sei que sou uma exce&ccedil;&atilde;o. Mas &eacute; uma felicidade pensar que posso inspirar outras a se realizar &ndash; ou, ao menos, tentar.&rdquo;

Leticia Maura conta como largou tudo para o sonho de ser cantora

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