Rosa e vermelho: batalha de cores na arena das tendências
Com as temporadas de tapetes vermelhos, investigamos como as tonalidades conseguem refletir os desejos do tempo em que vivemos
Não é novidade que os tapetes vermelhos disseminam tendências e estilos. Durante a temporada de premiações, as celebridades são vestidas por designers, marcas, stylists e tantos profissionais que exibem suas criações.
Pensando nisso, selecionamos alguns looks que desfilaram pelas premiações – Emmy Awards, SAG Awards, Critics Choice, além do Oscar – e investigamos como as cores, especialmente o vermelho e o rosa, transmitem informações e expressam o espírito do tempo. Em meio ao glamour e à variedade de estilos, as produções saltam aos olhos dos fashionistas e fazem sucesso nos tapetes vermelhos.
Cor e informação
Em se tratando de comunicação, as cores atuam no processo de construção visual. Para a consultora de imagem Fran Galvão, elas carregam significados. “Através da psicologia das cores, é possível criar atmosfera, comunicar a ocasião, coordenar looks e influenciar percepções visuais”, explicou ela. Neste contexto, as cores – e a moda consequentemente – podem ser usadas de forma estratégica. “É importante considerar o impacto que elas têm na comunicação visual e como podem ajudar a transmitir a mensagem desejada”, afirmou ela.
Para além da badalação dos looks do tapete vermelho, Brunno Almeida Maia, doutorando em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (USP) e mestre em filosofia pela Unifesp, afirma que concepção criativa de estilo e tendência passa pela informação cromática. “A moda diz respeito também às cores que têm uma importância na criação de moda e na disseminação de tendências justamente porque elas indicam a proposta estética de um determinado criador ou de uma possibilidade de tendência”, explicou ele.
O professor ainda afirma que há uma relação entre as cores e o espírito do tempo e exemplifica com a criação de Gabrielle Chanel, costureira que construiu um império na moda francesa. “O uso da cor preta instituído por Coco Chanel com o Little Black Dress, em 1926, indicava não somente o desejo da modista em destacar o rosto da mulher que o vestia, mas também a cor preta é carregada de toda uma simbologia histórica”, detalhou o pesquisador. Ele ainda completa sobre os significados atribuídos à cor. “A cor preta é uma síntese do espírito modernista tanto para os pintores como também os arquitetos, os designers da época, os costureiros que buscavam a depuração, a limpeza no modo de vestir”, afirmou ele.
Invasão Pink
Quando Pierpaolo Piccioli, diretor criativo da Valentino, lavou a passarela do desfile da Semana de moda de Paris na temporada de inverno 2022 com looks monocromáticos da cor Pink PP, tom criado pela Pantone exclusivamente para a marca italiana, uma tendência estava pronta para viralizar nas redes sociais. Em setembro de 2022, ocorreu o vazamento das imagens dos bastidores de gravação de Barbie, longa-metragem dirigido por Greta Gerwig sobre a boneca mais famosa do mundo. Não demorou para que o burburinho pink invadisse milhares de perfis e batizasse a tendência com a cor “mais saturada” daquele ano.
O barbiecore se tornou um dos fenômenos que se definia a partir do uso do rosa em várias tonalidades. Em produções monocromáticas ou não, as nuances da cor também ganharam complementos de acordo com diferentes estilos. Pérolas, laços, estampas em xadrez e outros elementos coordenaram a exaltação de uma feminilidade transmitida pela cor.
Esquentando ainda mais as pré-estreias do longa-metragem, a atriz Margot Robbie, que viveu a boneca no cinema, usou 11 looks assinados pelo stylist Andrew Mukamal na turnê de divulgação do live-action. Com início em 24 de junho, a atriz, fora das telas, incorporou o estilo em produções que remetiam a edições especiais do brinquedo. Entre produções e acessórios, não é difícil não se recordar do frisson que a jovem atriz causou quando um novo look surgia para o pink carpet.
Para o pesquisador Brunno Almeida Maia, o significado da cor rosa mudou com o tempo. “Há registros do seu uso no mundo antigo, mas se intensificou cada vez mais, sobretudo no contexto do Rococó, período que vai ser o declínio de Luis XIV e o governo de Luis XV. É o período em que Maria Antonieta, no meio do século XVIII, chega em Versalhes”, explicou ele.
Ainda segundo o professor, existe o fenômeno da ressignificação das cores. “Antes, ele [o tom rosa] era associado somente à feminilidade, à mulher, ao romantismo. Hoje, também é uma cor que acaba destacando certos elementos daquele modo de vestir. Já não é mais somente uma cor associada ao romantismo, à feminilidade e à mulher. Se pensarmos que os homens, ainda que de modo raro, também usam rosa, em uma camisa ou em um detalhe da calça. Então, é uma cor que tem se ressignificado, assim como todas as cores ao longo do tempo”, esclareceu Brunno. Vale lembrar que o ator Ryan Gosling, que viveu o boneco Ken no cinema, aderiu à cor em looks que também marcaram presença nas pré-estreias mundiais do longa-metragem de Greta Gerwig.
Red Hot
Outra tendência que ganhou corpo nas premiações é o uso das tonalidades de vermelho. Do mais vibrantes aos tons derivados e mais escurecidos e texturizados – como red cherry e vinhos envernizados -, a vibração e a elegância também trazem significados construídos pelo tempo. “A cartela de vermelhos é, sem dúvida, a mais excitante do espectro. A cor do sangue representa a vida, paixão, sexo, virilidade, poder (força), coragem, energia, agressividade, impetuosidade, guerra e revolução”, declarou a consultora de imagem Fran Galvão.
Ainda que de forma mais contida, algumas celebridades adotaram o vermelho em noites de gala. Em um contexto um tanto conturbado em que vivemos, a cor revela mais do que uma tendência. “Trata-se de uma cor bastante interessante para os momentos em que é necessário demonstrar energia, vontade de mudar, prontidão para novos desafios”, afirmou Fran Galvão sobre a intencionalidade da cor na edição de looks.
Resgatando os sentidos da cor por um viés histórico, o pesquisador Brunno Almeida Maia afirma que o vermelho é vinculado à nobreza. “Tanto é que existiam as leis suntuárias que vigoravam desde a Idade Média e que permaneceram, pelo menos, na França, até 1789. As leis suntuárias eram éditos promulgados pelos monarcas e que organizavam os modos de vestir na sociedade da corte, delimitando posições de poder e hierarquias, identificando determinados grupos sociais. Entre essas leis, há também o uso do vermelho. Não é à toa que Louis XIV, por ocasião da mudança para Versalhes, instituíra o solado do sapato vermelho para aqueles nobres que estavam mais próximos de sua figura real. Depois, como sabemos, Christian Louboutin [designer de sapatos francês] retoma essa ideia do solado vermelho”, explicou ele.
A cor materializa as formas de se comunicar com o mundo. “Ela destaca aspectos de quem usa e devemos pensar também quais são as cores que, num determinado contexto, acabam adquirindo mais importância, não só na moda. É possível pensarmos no papel que a Pantone tem como criadora e difusora de novas cores e pigmentações”, explicou Brunno Almeida Maia. Para além da moda, as informações cromáticas expandem seus contextos para que enxerguemos o mundo a partir novos e surpreendentes pontos de vista. Muito além do red carpet.