Moda

Irina Dzhus - O Futuro fashion ucraniano para ficar de olho

Refugiada da Ucrânia, a Dzhus segue repensando sua moda conceitual em busca de novas possibilidades de um vestuário moderno e correto

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Foto: Anna Goncharova / Divulgação

Irina Dzhus poderia ser considerada apenas mais uma dos milhares de civis afetados pelos ataques russos à Ucrânia, deflagrados desde fevereiro de 2022. Mas, mais do que isso, esta estilista é uma pensadora de moda com vontade de mudar o sistema do vestuário através de um design arquitetônico — e multifuncional, criando peças que se desdobram em outras, sempre produzidas com matérias-primas de origens éticas e naturais. Hoje refugiada em Varsóvia, a 800 quilômetros da sua Vyshhorod natal, Irina tem trabalhado para manter viva a marca homônima, lançada em 2010, além de lutar pela difusão da cultura e criatividade ucranianas. Da capital polonesa, a designer falou a L’OFFICIEL sobre este seu momento e seus ideais de moda.

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Foto: Anna Goncharova / Momentos da coleção de inverno da Dzhus, apresentada na semana de moda de Berlim

L’OFFICIEL Entendo que você saiu da Ucrânia quando começou a escalada dos ataques russos. Além dos efeitos práticos óbvios, como diria que essa situação afetou a sua criação?

IRINA DZHUS: Resumindo: quando a Ucrânia acordou com os sons de explosões, eu fiquei extremamente chocada, mas tive que me concentrar de alguma forma para planejar um resgate para mim, meus três gatos e parte dos recursos da marca que poderia levar. Arrumei uma mochila de emergência e uma mala grande com a última coleção e os principais moldes, que guardava em casa. No entanto, tivemos que passar os dias seguintes no porão mais próximo, nos escondendo dos ataques, até que os países da União Europeia dessem uma permissão para os ucranianos cruzarem a fronteira sem passaportes internacionais para animais de estimação, algo que os meus gatos não tinham. Por fim, conseguimos fugir para a Polônia, onde recebemos imenso apoio dos locais. Quando me recuperei parcialmente da indignação e do desespero avassaladores, comecei a me integrar à nova realidade, tanto do ponto de vista profissional quanto pessoal. Assim, acabei trabalhando entre Varsóvia, Paris e Berlim, participando de inúmeros eventos e programas destinados a apoiar os ucranianos neste momento sombrio. Iniciei a venda beneficente das peças evacuadas e, em pouco tempo, retomei a atividade da nossa produção baseada na Ucrânia, cooperando remotamente com parte da equipe que permaneceu. Desde então, a Dzhus tem doado 30% do lucro das vendas para organizações ucranianas de direitos dos animais, bem como para os militares.

L’O: A Dzhus sempre foi uma marca que trata temas sensíveis com atenção, mas acha que essa “ruptura” mudou seu foco?

ID: Embora eu tenha desenhado esta coleção num refúgio, as encomendas seguem sendo produzidas na Ucrânia — sinto ter o dever de dar empregos às nossas artesãs nessas circunstâncias extremas. Dizer que tem sido difícil é não dizer nada. Por exemplo, o último inverno foi quase um apagão, resultando em raro acesso a equipamentos e, portanto, prazos não cumpridos. Sem falar no estado mental de meus colaboradores. Quanto a mim, sinto-me extremamente sortuda por sobreviver e ter tido oportunidades de seguir criando. Agora estou altamente motivada para traduzir nossos valores comuns e a identidade ucraniana única para o público global por meio do meu trabalho. Acredito que todo artista ucraniano tem a missão de usar seu talento para atrair a atenção do mundo para nossa cultura autêntica, que a Rússia pretende demolir brutalmente. Nunca nós, ucranianos, estivemos tão conscientemente reunidos e unidos em torno da nossa afirmação comum.

L’O: Há muito se discute questões sobre sustentabilidade na moda — especialmente sobre desperdício e os impactos da produção. Como diria que a Dzhus se esforça para mudar essa situação?

ID: Embora a moda seja insustentável, na Dzhus pretendemos apresentar inovações que visem mudar a própria forma de consumir. Assim, no meu trabalho de design, concentro-me em inventar modelagens que permitam uma versatilidade sem precedentes na utilização de uma peça de vestuário ou acessório. Nas coleções, você encontrará calças que se transformam em vestidos ou casacos, chapéus que se transformam em malas ou coletes, lenços e até bijuterias transformáveis em roupa; e muitos outros exemplos de conceitos com foco na função.

“ACREDITO QUE TODO ARTISTA ucraniano TEM A MISSÃO DE USAR SEU talento PARA ATRAIR A atenção DO MUNDO PARA NOSSA cultura AUTÊNTICA, QUE A RÚSSIA PRETENDE DEMOLIR brutalmente.”

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Foto: Anna Goncharova / Momentos da coleção de inverno da Dzhus, apresentada na semana de moda de Berlim

L’O Diria que o consumidor que a marca atinge já é capaz de absorver essas mudanças de pensamento?

ID Sempre me preocupei com a vida curta da embalagem, até que desenvolvi uma sacola que pudesse não apenas ser reutilizada, mas também usada como um top — desde então nossos clientes recebem os seus pedidos embalados nesta peça que dificilmente vão querer jogar fora. Estou convencida de que, na atual era de superconsumo e superprodução, todos os envolvidos devem começar a pensar em como podem ajudar pessoalmente a reduzir o impacto ao meio ambiente. É aí que as roupas multifuncionais podem ser de ajuda incomparável. Por que sacrificar o estilo em nome de uma vida consciente quando é possível optar por poucas roupas transformáveis que irão, ao mesmo tempo, limitar o seu guarda-roupa físico e dar potencial infinito de autoexpressão? Com isso em mente, tento cumprir meu conceito com o mínimo possível de efeitos negativos. Trabalhamos sob encomenda, para garantir que não haja sobras de tecido e estoque parado; assim como muitas das roupas Dzhus são de desperdício zero. Falando em questões éticas, sempre tentamos alcançar um casting multiétnico e priorizamos uma abordagem inclusiva de gênero na modelagem, para atender às expectativas do nosso público diverso. Nosso principal valor, no entanto, sempre foi o tratamento humanitário dos animais e, naturalmente, desde o lançamento em 2010, todos os nossos produtos são cruelty free.

L’O: Você fala muito sobre design feito do jeito certo, pensando sempre nessa produção sustentável. Esse foco faz parte da Dzhus de maneira planejada desde o começo?

ID: Quando comecei, focava primeiramente no visual. À medida que a marca se desenvolvia, crescia a minha visão de design, que se tornava cada vez mais ponderada e orientada para o futuro. Percebi rapidamente que havia muito mais por trás de uma peça transformável do que um peculiar truque de moda — poderia reorganizar o próprio sistema de design de vestuário. Nesse ponto, tenho me esforçado para criar inovações que ajudem a tornar a indústria mais consciente, desde que minhas ideias cheguem ao público e a contribuição seja integrada ao sistema de maneira inteligente. Mais de dez anos nessa direção, ainda estou no processo de alcançar esse objetivo — esse caminho não é rápido nem fácil. Meus passos premeditados em direção à produção sustentável não incluem a ideologia cruelty free da Dzhus, pois essa tem sido minha base moral a priori há anos. Então, nunca houve opções além de lançar a marca como uma empresa amiga dos animais.

L’O: Marcas como a sua costumam ter um conflito entre design e usabilidade, especialmente nos primeiros dias. Acha que seu processo sofreu uma grande mudança desde o começo, em 2010?

ID: Houve um ponto de virada para nós: em 2013 ou 2014, quando recebemos um pedido da equipe de figurinos do filme Jogos vorazes. Embora tenha sido uma honra, como uma jovem marca, nos envolvermos em uma colaboração desse nível, também me fez perceber que as peças da Dzhus eram comumente associadas a figurinos de ficção científica em vez de roupas, enquanto sempre quis criar vestuário conceitual. A partir desse momento, passei a dar muito mais atenção à escolha de materiais e acabamentos, numa perspectiva de utilização prática. O design também passou por certo filtro, pois pretendia destacar o próprio fenômeno de uma peça de roupa, com o seu potencial funcional desconhecido, e não a extravagância de formas e silhuetas. Nas coleções recentes, a forma é principalmente o resultado de minhas experiências em direção à multifuncionalidade e não um conceito visual.

L’O: Como diria que uma marca que trabalha com um viés vanguardista pode refletir sobre o atual sistema de moda sem perder o olhar sustentável?

ID: Para uma marca conceitual, é crucial trilhar seu próprio caminho, sustentar seus princípios e não desistir quando não está funcionando. Não surpreendentemente, a maioria calcula preços mais baixos, suprimentos mais rápidos e mais hype quando se trata de design. Nesse ponto, é importante entender que a própria essência de uma marca de vanguarda é criar para uma clientela muito seleta — que aprecia conceitos diferenciados e, em muitos casos, será leal e paciente o suficiente para esperar um pouco mais e pagar um preço justo por uma peça de arte vestível. Falando em sustentabilidade, marcas de nicho que fabricam quantidades mínimas nos seus estúdios para uma gama muito limitada de clientes, provavelmente têm menor impacto negativo no meio ambiente, em comparação com os conglomerados mainstream. Por isso faz sentido começar por eles para uma mudança notável na indústria.

L’O: Você acredita que as roupas transformáveis, como produz, poderiam ser definidas como o futuro da moda?

ID: Totalmente. Acredito que o futuro da moda é muito mais sobre tecnologia do que tendências. Soluções alternativas, como roupas multifuncionais, podem abrir caminho para uma abordagem completamente diferente da moda.

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Foto: Anna Goncharova / Momentos da coleção de inverno da Dzhus, apresentada na semana de moda de Berlim

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