Janaína Rueda: por dentro do refúgio da chef paulistana
Janaína Rueda é doce sem ser enjoativa, ácida na medida exata e dona de um temperamento apimentado, que a transforma em uma mulher absolutamente encantadora
Se a vida da chef paulistana Janaína Rueda fosse uma música, certamente ela teria versos de Caetano Veloso com muitas pitadas sacadas da obra de Rita Lee. Isso porque a moça tem gosto pelo avesso e consegue achar beleza até mesmo onde Narciso evita mirar o olhar. Foi assim que ela, nascida e criada em São Paulo, resolveu ancorar o seu primeiro empreendimento gastronômico sob os desígnios de Oscar Niemeyer, em pleno Copan – em uma época nada glamourosa para o bairro. Por sinal, o apê que divide com o marido, o chef Jefferson Rueda, e os dois filhos, também fica no cartão-postal mais curvilíneo da Pauliceia.
Esse passo ousado de ocupar o centro da capital serviu de impulso para a retomada da região, já que outros investidores viram na ideia um potencial promissor para o endereço boêmio. Batizado de “Bar da Dona Onça” – reza a lenda que o nome tem a ver com a personalidade forte de sua dona –, o espaço inaugurado em 2008 tem em seu DNA a brasilidade descomplicada do arroz com feijão, além de contar com releituras de clássicos da culinária tupinambá com toque afetuoso. O casal ainda comanda a Casa do Porco (listado entre os 50 melhores restaurantes do mundo), a lanchonete Hot Pork e a Sorveteria do Centro.
Em meio à correria cotidiana, que virou pausa forçada nos últimos seis meses, a chef avisa que sempre encontrou tempo para colocar nas panelas as suas melhores memórias afetivas. “Desde o início da quarentena entendi que o ‘ficar em casa’ era cozinhar para pessoas em situação de rua e de vulnerabilidade social, organizando a coleta de doações pelo Bar da Dona Onça e buscando meios de contribuir com o setor da gastronomia, tão impactado pela crise. Nos últimos dois meses, aproveitei para me dedicar à escola Rueda, uma cozinha caipira a céu aberto, localizada no nosso sítio em São José do Rio Pardo, interior de São Paulo. É ali que criamos os porcos e plantamos os orgânicos que abastecem os nossos restaurantes. Nesse período, também conquistei o registro de agricultora familiar, uma honra para mim”, diz.
De volta ao apartamento com arquitetura dos anos 1950, o coração pulsa na cozinha desenhada e projetada por Jefferson – decorada pelas panelas favoritas da dona do pedaço e que cumprem a função de cozer as gostosuras servidas por ali. O bar que se conecta ao ambiente foi herança do antigo inquilino, enquanto as obras que percorrem a casa são assinadas por vários artistas plásticos, como FlipOn (Felipe Yung) e Lumumba.
“Adoramos ex- perimentar novos ângulos, então, as mudanças nunca param. Parece que sempre há algo com a nossa cara que queremos implementar.”
“Depois de todo esse tempo em casa, agora estamos de volta ao trabalho para que não falte o pão de cada dia. Mas, sempre que possível, prefiro não sair, mesmo amando festas e aglomerações.”
Anfitriã trabalhada no bom papo, Janaína confessa que não tem sido fácil praticar o distanciamento social, mas que tem seguido à risca os protocolos de segurança. “Depois de todo esse tempo em casa, agora estamos de volta ao trabalho para que não falte o pão de cada dia. Mas, sempre que possível, prefiro não sair, mesmo amando festas e aglomerações.” E não é para menos, já que ela veio ao mundo em pleno domingo de Carnaval, há exatos 45 anos.
Na adolescência, Janaína mantinha um ar de rebeldia, que se tornou autêntico com o tempo. Ela fugia de casa para ver shows do Legião Urbana ou apenas para assistir ao programa “Perdidos da Noite”, comandado por Fausto Silva; levava o animal de estimação para a sala de aula (hoje ela tem o gato Sardinha), curtia a cultura gótica, o hip-hop e o samba, e não fazia ideia que cozinhar seria um ato tão transgressor.
Sem meias-palavras, ela se define como “verdadeira, custe o que custar”, baladeira de carteirinha e fã de uma (ou várias, dependendo da companhia) dose de uísque. Num passado recente, fez parte de um programa municipal de merenda escolar que visava à troca dos enlatados por comida in natura. Passou quase três anos e meio treinando as merendeiras e chegou a atender 1.800 escolas. Mas, de um dia para o outro, o projeto foi abandonado, sem nenhuma explicação.
Janaína Rueda se entristece com o descaso com as políticas públicas, mas faz planos e sonha com um futuro para o Brasil com mais veracidade e menos patifes. “Quero estar ao lado da minha família, quero plantar, colher e cozinhar. Ah, e não vejo a hora de comprar um trator!”, pontua. Como diria a senhora Rita Lee, “mulher tem um sexto sentido maior que a razão”.