Nathalie Gil &eacute; presidente da Sea Shepherd Brasil, organiza&ccedil;&atilde;o internacional de conserva&ccedil;&atilde;o da vida marinha

Ela largou uma carreira internacional consolidada e embarcou como volunt&aacute;ria em um navio de pesquisa em busca de um prop&oacute;sito. Hoje, Nathalie Gil &eacute; presidente da Sea Shepherd Brasil, organiza&ccedil;&atilde;o internacional de conserva&ccedil;&atilde;o da vida marinha. Saiba mais!

Fasc&iacute;nio e medo. Essa era a rela&ccedil;&atilde;o que Nathalie Gil tinha com o mar at&eacute; 2019. Foi nesse ano, durante um mergulho em Bali, na Indon&eacute;sia, que em uma esp&eacute;cie de epifania descobriu que a hist&oacute;ria dela com o oceano estava apenas come&ccedil;ando. &ldquo;Eu nasci em Ol&iacute;mpia, cidade do interior paulista. E, mesmo mudando cedo para a capital, sempre passava as f&eacute;rias l&aacute;. Engra&ccedil;ado, hoje, pensar que cresci longe da praia&rdquo;, conta Nathalie. Mas destino &eacute; isso. Mesmo n&atilde;o sendo amor &agrave; primeira vista, mesmo nascendo a cerca de sete horas da cidade litor&acirc;nea mais pr&oacute;xima, foi no oceano que ela encontrou seu prop&oacute;sito de vida.

&ldquo;Quando mergulhei naquela imensid&atilde;o, me senti em ou tro planeta. Percebi que os animais marinhos n&atilde;o est&atilde;o nem a&iacute; para a gente. Diferentemente dos bichos silvestres, que fogem quando percebem a presen&ccedil;a humana, os peixes, as tartarugas e as arraias nadam despreocupados ao nosso redor. Totalmente alheios ao perigo que nossa esp&eacute;cie representa para eles&rdquo;, lembra, emocionada. &ldquo;Vi como toda essa vida marinha &eacute; vulner&aacute;vel. E decidi que queria ajudar a proteg&ecirc;-la.&rdquo;
E &eacute; isso que Nathalie vem fazendo h&aacute; cinco anos, desde que embarcou como volunt&aacute;ria em um navio da Sea Shepherd no M&eacute;xico e partiu para uma miss&atilde;o que seria o divisor de &aacute;guas na vida dela. &ldquo;Essa experi&ecirc;ncia abriu meus olhos sobre quanto a humanidade desconhece o baque que a Terra est&aacute; sofrendo&rdquo;, diz Nathalie. &ldquo;Quando tiramos um peixe do mar, estamos alterando o equil&iacute;brio do planeta: tiramos uma vida que tem sua responsabilidade nessa grande m&aacute;quina que &eacute; o oceano, que prove o equil&iacute;brio t&eacute;rmico, h&iacute;drico e biol&oacute;gico da Terra. E quando voc&ecirc; faz isso em quantidades avassaladoras, como na pesca de arrasto, que vai levando tudo, o resultado &eacute; catastr&oacute;fico. Esse tipo de pesca destr&oacute;i, todos os anos, 50 vezes mais &aacute;rea do que o desmatamento.&rdquo;

&nbsp;A vida &eacute; para todos

Mas calma, porque adiantei demais a conversa. Muita &aacute;gua rolou na vida de Nathalie at&eacute; ela embarcar naquele navio. Formanda em marketing, ci&ecirc;ncias sociais, filosofia e desenvolvimento internacional, a hoje CEO da Sea Shepherd Brasil come&ccedil;ou a carreira profissional trabalhando com estrat&eacute;gia de marcas para uma grande ag&ecirc;ncia. Aos 23 anos, passou uma temporada em uma subsidi&aacute;ria em Paris e, em 2009, conseguiu uma transfer&ecirc;ncia para Londres, onde ficou por dez anos. &ldquo;Mas eu sentia que meu conhecimento estava sendo desperdi&ccedil;ado, que eu precisava us&aacute;-lo para algo maior. Ent&atilde;o pedi demiss&atilde;o e tirei um tempo para mergulhar em um processo de autodescoberta.&rdquo; E, assim, ela foi parar em Bali, naquele mergulho revelador.

Mais do que uma apaixonada pelo oceano, Nathalie &eacute; uma defensora do direito &agrave; vida &ndash; de qualquer esp&eacute;cie. Foi por isso que fez tanto sentido para ela se juntar &agrave; Sea Shepherd, uma organiza&ccedil;&atilde;o que tem como objetivo proteger a vida marinha, combater a&ccedil;&otilde;es ilegais, expor as predat&oacute;rias e mostrar para a humanidade o que est&aacute; acontecendo no oceano. &ldquo;A gente acha que a natureza est&aacute; a&iacute; para nos servir. Mas a verdade &eacute; que somos apenas mais uma esp&eacute;cie entre tantas nesta biosfera. E existe uma cadeia de vida respons&aacute;vel por cada detalhe para manter esse planeta operando e que est&aacute; sendo amea&ccedil;ada pelo jeito com que a gente est&aacute; vivendo&rdquo;, ressalta a presidente da organiza&ccedil;&atilde;o no Brasil.&nbsp;
Essa vis&atilde;o bioc&ecirc;ntrica de mundo, ali&aacute;s, em que todas as vidas t&ecirc;m direito e motivo de existir aqui na Terra, foi o ponto de partida do capit&atilde;o Paul Watson para fundar o Sea Shepherd, em 1977, no Canad&aacute;. No Brasil, a organiza&ccedil;&atilde;o atracou em 1999, mas come&ccedil;ou um trabalho mais robusto mesmo a partir de 2020. &ldquo;Hoje a gente tem cinco campanhas ativas no pa&iacute;s e j&aacute; fizemos seis grandes expedi&ccedil;&otilde;es. Nossa meta n&atilde;o &eacute; ter a praia limpa para o fim de semana. Nosso objetivo &eacute; conseguir manter o oceano operante para a vida na Terra prosperar&rdquo;, declara.&nbsp;
Mergulhe com a gente nesta conversa com Nathalie Gil sobre a import&acirc;ncia da vida marinha para o futuro do planeta.

L&rsquo;OFFICIEL O que voc&ecirc; acha que &eacute; mais preocupante hoje, quando falamos do oceano?
NATHALIE GIL Acho que &eacute; a falta de conhecimento sobre ele. N&oacute;s somos oceano! Nosso corpo &eacute; 70% de &aacute;gua, o planeta &eacute; coberto por 70% de &aacute;gua, isso n&atilde;o &eacute; uma mera coincid&ecirc;ncia. A gente tem que come&ccedil;ar a enxergar o mundo sabendo que somos parte dessa biosfera. E que existe uma tripula&ccedil;&atilde;o neste planeta, que s&atilde;o as diferentes esp&eacute;cies, e que todas s&atilde;o essenciais para o equil&iacute;brio na Terra. Por exemplo: os alimentos que a gente consome dependem de um solo rico, que &eacute; muito resultado do trabalho das minhocas. O oxig&ecirc;nio que a gente respira, grande parte dele &eacute; produzido pelos fitopl&acirc;nctons, que, por sua vez, precisam do trabalho das baleias, que s&atilde;o conhecidas como jardineiras do mar, para levar os nutrientes para esses pl&acirc;nctons se alimentarem&hellip; O resumo da &oacute;pera &eacute; o seguinte: se o oceano morre, a gente morre. &Eacute; essa conex&atilde;o que a gente deve fazer. O problema &eacute; que o mar &eacute; aquele ponto cego, uma &aacute;rea que a gente acha que vai ser infinita, que sempre vai ter o peixe l&aacute;&hellip;. Mas n&atilde;o &eacute; verdade. A gente est&aacute; matando toda essa vida e n&atilde;o est&aacute; vendo porque ela est&aacute; abaixo da linha d&rsquo;&aacute;gua.

"CERCA DE 50% dos corais J&Aacute; EST&Atilde;O AFETADOS PELO calor da &aacute;gua - E O CORAL, J&Aacute; SE SABE, &Eacute; ESSENCIAL PARA DIVERSOS TIPOS DE vida. TUDO ISSO EST&Aacute; GERANDO UM desequil&iacute;brio DRAM&Aacute;TICO. Sem o oceano, A GENTE N&Atilde;O VAI EXISTIR." 
NATHALIE GIL

L&rsquo;O Quais s&atilde;o os maiores vil&otilde;es da vida marinha?&nbsp;
NG Muito se fala dos pl&aacute;sticos, e sim, eles s&atilde;o um problema muito grave, sobretudo porque levam centenas de anos para se decompor. Mas pouco se fala da pesca massiva, essa sim, uma das maiores amea&ccedil;as ao oceano. As redes de malha muito longas capturam uma quantidade absurda de vida marinha. As de arrasto, ent&atilde;o, v&atilde;o levando tudo pelo caminho, acabando inclusive com o alimento de outras esp&eacute;cies, impactando o equil&iacute;brio. E olha que loucura: na pesca, 40% do que &eacute; tirado do mar n&atilde;o &eacute; intencional, s&atilde;o animais que foram mortos acidentalmente! A gente tem mais de 60% dos grupos de peixes para consumo entrando em colapso. Cerca de 50% dos corais j&aacute; est&atilde;o afetados pelo calor da &aacute;gua &ndash; e o coral, j&aacute; se sabe, &eacute; essencial para diversos tipos de vida. Tudo isso est&aacute; gerando um desequil&iacute;brio dram&aacute;tico. Sem o oceano, a gente n&atilde;o vai existir.

L&rsquo;O E como voc&ecirc;s trabalham para impedir essa destrui&ccedil;&atilde;o?
NG&nbsp; A gente atua em diferentes frentes, mas sempre tendo como base o entendimento do que est&aacute; acontecendo, a exposi&ccedil;&atilde;o e divulga&ccedil;&atilde;o dos danos e a parte educacional. As expedi&ccedil;&otilde;es t&ecirc;m essa fun&ccedil;&atilde;o. Por exemplo, no ano passado houve uma grande mortandade de botos tucuxi, que est&atilde;o em risco de extin&ccedil;&atilde;o, na Amaz&ocirc;nia. Mapeamos o rio, entendendo o tamanho da popula&ccedil;&atilde;o desse animal, verificando quais eram as amea&ccedil;as. A gente descobriu que, com a seca, o rio fica t&atilde;o estreito que aumenta muito a interatividade com os humanos. Os botos e os peixes-bois, que tamb&eacute;m est&atilde;o em extin&ccedil;&atilde;o, ficavam presos nessas redes e o pescador, para n&atilde;o perder o equipamento, cortava os animais antes de eles estragarem a rede. &Eacute; de doer o cora&ccedil;&atilde;o. A gente faz monitora&ccedil;&atilde;o da &aacute;gua, do ar, investiga a morte de outros animais, verifica se h&aacute; presen&ccedil;a de ca&ccedil;a ou pesca ilegal, usa drones para dar flagrante e avisar as autorida des&hellip; Tamb&eacute;m fazemos um trabalho de educa&ccedil;&atilde;o em escolas, comunidades e prefeituras, explicando a import&acirc;ncia desses animais, ensinando alternativas sustent&aacute;veis&hellip; Acredito muito no conhecimento como forma de transforma&ccedil;&atilde;o.

L&rsquo;O Falando em transforma&ccedil;&atilde;o, voc&ecirc; &eacute; presidente de uma organiza&ccedil;&atilde;o que lida com uma atividade majoritariamente masculina. &Eacute; muito complicado?&nbsp;
NG No mundo mar&iacute;timo, realmente, menos de 3% da tripula&ccedil;&atilde;o&nbsp; &eacute; feminina. Mas fico feliz porque hoje existem muitas bi&oacute;logas, bi&oacute;logas marinhas&hellip; E n&atilde;o &eacute; porque sou l&iacute;der que fico usando c&oacute;digos masculinos. Pelo contr&aacute;rio. At&eacute; porque acredito que o mundo atual precisa desse cuidado, dessa compreens&atilde;o do complexo, muito caracter&iacute;stico da mulher. A adaptabilidade, a flexibilidade, a fluidez, que tem tudo a ver com a &aacute;gua, s&atilde;o elementos muito do feminino. Na verdade, sinto que uso o fato de ser mulher como uma vantagem.

L&rsquo;O Talvez at&eacute; pelo tamanho, muita gente acha que n&atilde;o pode fazer muita coisa pelo oceano. O que voc&ecirc; diria para quem quer come&ccedil;ar uma mudan&ccedil;a?&nbsp;
NG A gente tem chances, todos os dias, de fazer microrrevolu&ccedil;&otilde;es na nossa vida. Desde a comida que comemos, verificando se &eacute; org&acirc;nica ou se usou agrot&oacute;xicos que contaminam a terra e os oceanos, at&eacute; se perguntar se &eacute; necess&aacute;rio mesmo consumir peixe ou carne, se n&atilde;o vale a pena procurar alimentos mais sustent&aacute;veis. D&aacute; para ficar atento &agrave; embalagem e, em vez de PET (no Brasil, menos de 2% do pl&aacute;stico &eacute; reciclado), escolher uma de lata, pois 98% &eacute; reciclada. Essas pequenas escolhas di&aacute;rias, numa onda de muitas pessoas, viram grandes transforma&ccedil;&otilde;es que ajudam o planeta.

Nathalie Gil é presidente da Sea Shepherd Brasil pela vida marinha

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