Relembre uma entrevista exclusiva do gigante da propaganda Washington Olivetto, para a L&rsquo;Officiel Brasil

Publicit&aacute;rio autodidata, Washington Olivetto abandonou a faculdade para se transformar em um dos mais criativos &ndash; e revolucion&aacute;rios &ndash; profissionais do Pa&iacute;s. Relembre agora, uma entrevista exclusiva do gigante da propaganda para a L&rsquo;Officiel Brasil:

Como quase todo g&ecirc;nio que se preze, Washington Olivetto desistiu de encarar as mazelas acad&ecirc;micas para aprender a profiss&atilde;o na pr&aacute;tica. Foi num dia qualquer de 1969, que ele, a bordo de seu Karmann-Ghia, a caminho da faculdade, percebeu que o pneu havia furado. Estacionou na rua Itamb&eacute;, no bairro de Higien&oacute;polis, em S&atilde;o Paulo, e ao olhar em volta, avistou o sobrado onde funcionava a HGP Publicidade. Na mesma hora, veio o insight &ndash; em vez da chatice de trocar o pneu, ele resolveu pedir emprego na ag&ecirc;ncia. E l&aacute; foi ele, com os cabelos pelos ombros, jardineira no corpo e tamancos nos p&eacute;s. Entrou no lugar e pediu para falar com o dono. O discurso foi objetivo &ndash; ele avisou que &ldquo;seria bom naquele neg&oacute;cio e que o seu pneu n&atilde;o furaria duas vezes no mesmo lugar&rdquo;. Conseguiu o est&aacute;gio e quatro meses depois, estava contratado.
Aos 18 anos, Washington arrematou o seu primeiro &ldquo;Le&atilde;o de Bronze&rdquo;, no Festival de Publicidade de Cannes, com a pe&ccedil;a feita para a Deca. A conquista o levou para a DPZ, onde fez dobradinha de sucesso com Francesc Petit. Foi ao lado dele que surgiu o personagem s&iacute;mbolo da Bombril, interpretado pelo ator Carlos Moreno (que figura no Guinness Book como o mais longevo garoto-propaganda da hist&oacute;ria). Antes, por&eacute;m, em 1974, quando ele contava com 23 anos, assinou a autoria do filme &ldquo;Homem com mais de 40 anos&rdquo;, vencedor do Le&atilde;o de Ouro, que criticava abertamente o etarismo (e o assunto nem fazia parte do escopo daquela gera&ccedil;&atilde;o).

A W/Brasil aconteceu em parceria com Gabriel Zellmeister e Javier Lluss&aacute; Ciuret, em 1986, e logo se tornou uma das mais respeitadas ag&ecirc;ncias do mercado, expandindo as suas opera&ccedil;&otilde;es para os Estados Unidos, Portugal e Espanha. Premiad&iacute;ssima &ndash; s&atilde;o mais de mil condecora&ccedil;&otilde;es &ndash;, a W/Brasil foi respons&aacute;vel por comerciais memor&aacute;veis, a exemplo dos amortecedores &ldquo;Cofap&rdquo;, que mudou at&eacute; o apelido do cachorro &ldquo;salsicha&rdquo; para &ldquo;Cofap&rdquo;, dos sapatos &ldquo;752 da Vulcabras&rdquo;, que colocou em cena nomes populares como Paulo Maluf, Nuno Leal Maia, Vicente Matheus e Hebe Camargo, o &ldquo;Primeiro Suti&atilde;&rdquo;, da Valis&egrave;re, e &ldquo;Hitler&rdquo;, cria do para a Folha de S. Paulo a fim de mostrar o poder da informa&ccedil;&atilde;o real e das fake news &ndash; estes dois &uacute;ltimos constam na lista das cem melhores propagandas de todos os tempos.
Escritor nas horas vagas, publicou seis livros. &ldquo;S&oacute; os Patetas Jantam mal na Disney&rdquo;, &ldquo;Corinthians, &eacute; Preto no Branco&rdquo;, com Nirlando Beir&atilde;o, &ldquo;Os Piores Textos de Washington Olivetto&rdquo;, &ldquo;Corinthians x Os Outros&rdquo;, &ldquo;O Primeiro a Gente Nunca Esquece&rdquo; e &ldquo;O que a Vida me Ensinou&rdquo;. Tem tamb&eacute;m uma biografia feita por Fernando Morais, &ldquo;Na Toca dos Le&otilde;es&rdquo;, que conta dos bastidores da empresa ao sequestro do qual foi v&iacute;tima, em 2001. Dessa parte, ele prefere esquecer.

Pai de tr&ecirc;s filhos &ndash; do cineasta Homero (50 anos), e dos g&ecirc;meos Ant&ocirc;nia e Theo (18 anos) &ndash;, mudou-se com a esposa, Patr&iacute;cia Viotti, e os ca&ccedil;ulas, para Londres, no final de 2017. Longe de pensar em aposentadoria, Olivetto comanda a terceira temporada do W/Cast, um podcast em formato de bate-papo, produzido diretamente da sua sala de estar em solo nacional, que recebe gente do naipe de Nelson Motta, Jo&atilde;o Carlos Martins, Jorge Ben Jor, Edson Celulari, Paula Toller e Ra&iacute;. Na sua mais recente passagem pelo Pa&iacute;s, ele liberou uma data na agenda para &ldquo;modelar&rdquo; e conversar com a nossa reda&ccedil;&atilde;o. A sess&atilde;o de fotos, acompanhada de perto pela filha Ant&ocirc;nia, que confessa ter uma queda por moda, foi ao estilo Olivetto de ser: p&eacute;s no ch&atilde;o, com roupas do seu pr&oacute;prio closet e, claro, sem deixar de fora o manto alvinegro.
L&rsquo;OFFICIEL HOMMES H&aacute; algum tempo voc&ecirc; disse que &ldquo;o Brasil trocou a leveza das Havaianas pela dureza dos coturnos&rdquo;. Pode nos falar sobre isso? E o que ainda vale nesta frase?&nbsp;
WO Disse isso depois de ter lido uma mat&eacute;ria no &ldquo;The Guardian&rdquo;, que falava do Brasil no per&iacute;odo do governo Bolsonaro. Naquele momento, a m&iacute;dia internacional refletia uma imagem triste do Brasil. Essa imagem est&aacute; melhorando aos poucos, mas o perigo da presen&ccedil;a dos radicais de direita ainda existe.

L&rsquo;OFF Voc&ecirc; participou da cria&ccedil;&atilde;o de um dos movimentos mais importantes e ousados do futebol mundial. A Democracia Corinthiana &eacute; at&eacute; hoje um dos grandes ativos da hist&oacute;ria do clube. O que funcionou naquele Corinthians dos anos 1980? E qual era a ideia principal dentro do projeto?&nbsp;
WO A Democracia Corinthiana foi vitoriosa e tornou-se conhecida mundialmente porque era futebol, mas n&atilde;o era apenas futebol. Tinha a ver com liberdade de express&atilde;o e a volta das elei&ccedil;&otilde;es Diretas no Brasil. A Democracia Corinthiana foi irm&atilde; da explos&atilde;o do rock brasileiro nos anos 1980.&nbsp;
L&rsquo;OFF A Democracia Corinthiana aconteceria em outro clube? E com outros personagens?&nbsp;
WO N&atilde;o. Sem os jogadores do Corinthians e a torcida do Corinthians, a Democracia Corinthiana n&atilde;o teria existido.
L&rsquo;OFF S&oacute;crates, Casagrande e Wladimir foram essenciais para a consolida&ccedil;&atilde;o de uma ideia de democracia? Pode nos contar sobre a sua rela&ccedil;&atilde;o de amizade com eles?&nbsp;
WO Foi uma rela&ccedil;&atilde;o de amizade que come&ccedil;ou naquele tempo e durou para sempre. O &uacute;ltimo v&iacute;deo gravado por S&oacute;crates foi sobre criatividade, feito a meu pedido. Wladimir esteve na festa de 15 anos da minha filha Ant&ocirc;nia. E Casagrande e eu nos falamos constantemente. Jantamos juntos outro dia aqui em Londres.&nbsp;
L&rsquo;OFF Na publicidade brasileira, voc&ecirc; &eacute; um dos nomes mais admirados, dono de pr&ecirc;mios que mudaram o jeito de pensar a propaganda. Em seu portf&oacute;lio h&aacute; pe&ccedil;as emblem&aacute;ticas e que seguem sendo refer&ecirc;ncias. Em sua vis&atilde;o, como a publicidade mudou (e ainda muda) a sociedade?&nbsp;
WO Mudaram as alternativas de m&iacute;dia, mas n&atilde;o mudou a ess&ecirc;ncia do neg&oacute;cio, que &eacute; a necessidade da grande ideia. Sem a grande ideia, nada acontece. Sem a grande ideia, algoritmos s&atilde;o apenas algoritmos.

L&rsquo;OFF &Eacute; bastante conhecida a posi&ccedil;&atilde;o de outro grande publicit&aacute;rio da sua &eacute;poca ao afirmar que &ldquo;n&atilde;o escalava pessoas pretas, pois elas eram incapazes de vender produtos&rdquo;. Voc&ecirc; acredita nessa ret&oacute;rica? Acha que o estruturalismo racial no Brasil est&aacute; longe de acabar?&nbsp;
WO Dizem que essa frase &eacute; do &Ecirc;nio Mainardi, um publicit&aacute;rio pol&ecirc;mico, de uma gera&ccedil;&atilde;o anterior &agrave; minha. Talvez seja mesmo*, e mais do que a express&atilde;o de um sentimento, seja uma constata&ccedil;&atilde;o da &eacute;poca. Lamentavelmente, o racismo na sociedade brasileira foi sempre uma realidade. Com o passar do tempo, isso melhorou, mas o racismo velado continua existindo. Cabe a n&oacute;s combat&ecirc;-lo.&nbsp;
L&rsquo;OFF Como pontuaria esse tema para as novas gera&ccedil;&otilde;es?&nbsp;
WO A publicidade &eacute; criada, aprovada e veiculada por seres humanos. Quanto melhores forem esses seres humanos, melhor ser&aacute; a publicidade.&nbsp;
L&rsquo;OFF Como &eacute; ser pai de jovens em um mundo com tantas lacunas &ndash; sociais, educacionais, raciais? Qual &eacute; a maior li&ccedil;&atilde;o para ser ensinada a eles? E o que voc&ecirc; aprende nesta troca?&nbsp;
WO O meu truque de vida sempre foi o mesmo: aprender com os mais velhos quando era o mais jovem; e aprender com os mais jovens quando passei a ser o mais velho. Com os meus filhos sempre aprendi mais do que ensinei. Mas sempre estive presente.&nbsp;
L&rsquo;OFF Pode contar como surgiu a ideia de fazer o W/Cast?&nbsp;
WO Da minha tara por fazer o novo de novo.
L&rsquo;OFF Ao longo do tempo em que est&aacute; &agrave; frente do W/Cast, quem foi o seu melhor entrevistado? E quem voc&ecirc; ainda n&atilde;o conseguiu entrevistar?&nbsp;
WO Os WCasts n&atilde;o s&atilde;o entrevistas porque eu n&atilde;o sou um entrevistador. S&atilde;o bate-papos meus com gente interessante. Sinceramente, amei fazer todos. Fizeram mais barulho os epis&oacute;dios com Roberto Medina, Jorge Ben Jor e Boni na segunda temporada. E agora, na terceira, que est&aacute; em andamento, o grande ti-ti-ti &eacute; a ministra C&aacute;rmen L&uacute;cia. Nesta terceira temporada queria ter conversado com meu querido amigo Tom Z&eacute;. Mas ele n&atilde;o tinha agenda. Faremos na pr&oacute;xima.

L&rsquo;OFF O que voc&ecirc; imagina para o futuro do Brasil? O crescimento do fascismo (no mundo) &eacute; uma consequ&ecirc;ncia do conservadorismo de uma gera&ccedil;&atilde;o cujos valores foram perdidos? O que deu errado?&nbsp;
WO O mundo &eacute; c&iacute;clico. O bem e o mal se revezam. Vivemos um momento onde o mal, como o fascismo, prepondera. Mas isso vai passar e tem que passar para o bem de todos e felicidade geral das na&ccedil;&otilde;es.&nbsp;
L&rsquo;OFF Embora voc&ecirc; n&atilde;o seja atuante na pol&iacute;tica clubista, &eacute; sabido que &eacute; um corinthiano praticante. Neste caso, como pensa quest&otilde;es sens&iacute;veis, como a contrata&ccedil;&atilde;o do Cuca, condenado por estupro de vulner&aacute;vel, em 1989, e que jamais cumpriu pena? Voc&ecirc; &eacute; pai de uma menina. Qual seria o seu conselho para o presidente do Corinthians, Du&iacute;lio (filho do Adilson Monteiro Alves, que foi crucial na Democracia Corinthiana)?&nbsp;
WO Conheci o Du&iacute;lio ainda menino, ent&atilde;o diria: &ldquo;Du&iacute;lio, n&atilde;o fa&ccedil;a mais isso&rdquo;.&nbsp;
L&rsquo;OFF As torcidas organizadas tornaram-se massas de manobra ou ainda s&atilde;o o cora&ccedil;&atilde;o do futebol? Como voc&ecirc; descreveria essa rela&ccedil;&atilde;o de amor e &oacute;dio que permeia as arquibancadas?&nbsp;
WO Vamos nos espelhar no exemplo dos ingleses, que s&oacute; conseguiram fazer o melhor campeonato de futebol do mundo depois que disciplinaram as suas torcidas.&nbsp;
L&rsquo;OFF Pode nos contar sobre os seus projetos futuros?&nbsp;
WO Melhorar o que j&aacute; estou fazendo e continuar sendo curioso e novidadeiro.
*A frase foi mesmo dita por &Ecirc;nio Mainardi, em 1988, no document&aacute;rio &ldquo;O Brasil Negro&rdquo;, da Funda&ccedil;&atilde;o Padre Anchieta, sobre o centen&aacute;rio da Aboli&ccedil;&atilde;o da escravatura.

BATE-BOLA
Com quem voc&ecirc; adoraria ter um dedo de prosa? &nbsp;
Com o jornalista Gay Talese
Quem &eacute; o seu maior &iacute;dolo no futebol?
Roberto Rivelino
Quem voc&ecirc; gostaria de ver com a camisa do Corinthians?
Lionel Messi
Vicente Matheus ou Leila?
Vicente Matheus e Marlene tamb&eacute;m
Qual &eacute; a sua propaganda de cabeceira?
A publicidade da VW dos anos 1960, feita pela DDB, de Nova York
E que pe&ccedil;a publicit&aacute;ria queria ter assinado?
O comercial &lsquo;Dear John&rsquo;, das fitas Basf&nbsp;
O que voc&ecirc; mudaria na sua biografia? Nada
O que refor&ccedil;aria na sua biografia?
Tudo
Momento que merece ser relembrado?
O nascimento dos meus filhos
Momento que merece ser esquecido?
O sequestro
M&uacute;sica favorita?
&ldquo;My Funny Valentine&rdquo;, com Chet Baker
Livro que todo mundo deveria ler?
&ldquo;O Apanhador no Campo de Centeio&rdquo;, do J. D. Sallinger
Olivetto por Washington? Washington por Olivetto?
Na categoria &ldquo;Washington Olivetto&rdquo;, sou o melhor Washington Olivetto que existe

Texto: PATR&Iacute;CIA FAVALLE.
Fotografia: ROMULO FIALDINI.
Beleza: VANESSA CASTELINI.
Agradecimentos: JADER ALMEIDA E AVESANI COMUNICA&Ccedil;&Atilde;O.
Tratamento de Imagem: CARLA FIALDINI.

Washington Olivetto nos deixa com um gigante legado como publicitário

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