Com produ&ccedil;&atilde;o musical de Luiza Brina, o novo &aacute;lbum de Marina Melo teve processo singular, e foi feito a partir de sons fabricados digitalmente para cada faixa

O tempo como processo de transforma&ccedil;&atilde;o interior e como perspectiva de futuro &eacute; o fio condutor de Ousar Abrir, terceiro trabalho da cantora e compositora paulistana <a href="https://www.instagram.com/marinamelomelo/">Marina Melo</a>, dispon&iacute;vel nas plataformas digitais pela dobra discos. O <a href="https://www.revistalofficiel.com.br/pop-culture/mariah-carey-prepara-novo-album-revela-produtor-e-agita-fas">&aacute;lbum</a> re&uacute;ne composi&ccedil;&otilde;es que exploram a no&ccedil;&atilde;o temporal tanto em n&iacute;vel individual quanto coletivo, abordando desde experi&ecirc;ncias &iacute;ntimas &mdash; como lembran&ccedil;as da inf&acirc;ncia ou v&iacute;nculos afetivos &mdash; at&eacute; grandes temas contempor&acirc;neos compartilhados &mdash; como as mudan&ccedil;as clim&aacute;ticas, o excesso de informa&ccedil;&otilde;es e nossa viv&ecirc;ncia urbana.

Marina Melo | Foto: Laís Aranha

S&atilde;o nove faixas que, partindo da simplicidade da voz e do viol&atilde;o, ganham corpo por meio de sons digitais criados pelo designer sonoro Lucas Ferrari e transformados em arranjos sob a dire&ccedil;&atilde;o da produtora musical Luiza Brina. O trabalho conta ainda com participa&ccedil;&otilde;es especiais de Otto, N&aacute; Ozzetti, Maur&iacute;cio Pereira, Filarm&ocirc;nica de Pas&aacute;rgada, Barbarelli e Lio (Tuyo), que se somam &agrave; proposta de transformar mat&eacute;ria sonora abstrata e uma l&iacute;rica inquieta em can&ccedil;&otilde;es que funcionam como espelhos sens&iacute;veis das complexidades humanas.
Dividido conceitualmente entre Lado A e Lado B, o disco trabalha contrastes. O primeiro lado mergulha em temas &iacute;ntimos e emocionais &mdash; como o amor, o desejo e os efeitos do tempo sobre o indiv&iacute;duo &mdash; enquanto o segundo se debru&ccedil;a sobre quest&otilde;es urgentes da coletividade, como a crise ambiental, a distra&ccedil;&atilde;o provocada pelas redes sociais e o avan&ccedil;o da especula&ccedil;&atilde;o imobili&aacute;ria em grandes centros como S&atilde;o Paulo. A primeira metade do &aacute;lbum funciona como uma escuta voltada ao passado e aos anseios do presente, enquanto a segunda projeta um amanh&atilde; poss&iacute;vel, cantando uma cidade ideal que ainda n&atilde;o se concretizou, mas que pode vir a existir.

Essa dualidade revela que nenhuma parte permanece isolada: o Lado A &eacute; atravessado por uma sensibilidade voltada ao coletivo, enquanto o Lado B carrega tra&ccedil;os do olhar subjetivo da artista. Ousar Abrir constr&oacute;i conex&otilde;es entre o pessoal e o pol&iacute;tico, demonstrando que a viv&ecirc;ncia individual &eacute; inevitavelmente moldada pelas tens&otilde;es do tempo hist&oacute;rico &mdash; e que imaginar novos futuros &eacute;, tamb&eacute;m, um ato &iacute;ntimo.
&ldquo;Essa dualidade est&aacute; presente desde o meu disco de estreia, Soft Apocalipse, que trazia faixas delicadas lado a lado com uma cr&iacute;tica social contundente&rdquo;, comenta Marina. A artista assina todas as can&ccedil;&otilde;es do &aacute;lbum, com apenas duas colabora&ccedil;&otilde;es e sete faixas autorais solo.
A po&eacute;tica de Marina Melo &eacute; o fio condutor de Ousar Abrir. &Eacute; a partir da palavra, da simplicidade mel&oacute;dica e das tem&aacute;ticas levantadas pela artista que se d&aacute; toda a constru&ccedil;&atilde;o sonora. Com produ&ccedil;&atilde;o musical, arranjos e dire&ccedil;&atilde;o de Luiza Brina, a sonoridade do &aacute;lbum ressoa como universos constru&iacute;dos na &oacute;rbita do mundo de cada can&ccedil;&atilde;o. Como se Luiza colorisse as composi&ccedil;&otilde;es de Marina a partir dos dons e texturas elaboradas por Lucas Ferrari, respons&aacute;vel pelo sound design e p&oacute;s-produ&ccedil;&atilde;o do &aacute;lbum. A dire&ccedil;&atilde;o vocal &eacute; de Lio (Tuyo), com prepara&ccedil;&atilde;o vocal de Yant&oacute; e capta&ccedil;&atilde;o de vozes de Machado (Tuyo), realizada na Casa Tuyo. As participa&ccedil;&otilde;es especiais imprimem diferentes tons ao disco: Otto, N&aacute; Ozzetti, Maur&iacute;cio Pereira, Filarm&ocirc;nica de Pas&aacute;rgada, Barbarelli e a pr&oacute;pria Lio somam suas vozes e estilos &agrave;s composi&ccedil;&otilde;es e &agrave; voz de Marina, ampliando os mundos ali apresentados.

As nove faixas do disco foram compostas entre 2023 e 2025, per&iacute;odo em que Marina mergulhou em um processo profundo de cria&ccedil;&atilde;o, iniciado durante uma resid&ecirc;ncia art&iacute;stica na Casa L&iacute;quida, em S&atilde;o Paulo.&nbsp;
<h3 style="text-align: justify;">Ousar Abrir, can&ccedil;&atilde;o por can&ccedil;&atilde;o</h3>
Ousar Abrir come&ccedil;a emblem&aacute;tico, trazendo tanto na sonoridade eletr&ocirc;nica como na tem&aacute;tica uma &oacute;tima faixa introdut&oacute;ria. "An&aacute;guas" - uma das duas parcerias do disco -, carrega o peso simb&oacute;lico de um in&iacute;cio. Fruto de deslocamentos geogr&aacute;ficos e po&eacute;ticos, ela nasceu a partir de experi&ecirc;ncias vividas pela artista durante uma resid&ecirc;ncia na Casa L&iacute;quida, em S&atilde;o Paulo, e uma imers&atilde;o no Sert&atilde;o do Paje&uacute;, em Pernambuco, onde Marina teve contato com um evento dedicado &agrave; poesia oral. Ali conheceu a poeta Ezter Liu, autora do poema que d&aacute; base &agrave; m&uacute;sica. A letra versa sobre transforma&ccedil;&otilde;es, ciclos e renascimentos, d&aacute; o tom do disco: &ldquo;eu me inauguro, eu me despe&ccedil;o &ndash; c&iacute;clica, recome&ccedil;o&rdquo;.

Anáguas - Marina Melo

Anáguas

Em "Menina", Marina volta o olhar para si mesma e percorre as diversas vers&otilde;es de quem foi, e quem est&aacute; se tornando. A m&uacute;sica passou por uma metamorfose durante sua feitura: inicialmente extensa, foi sendo lapidada com a colabora&ccedil;&atilde;o do artista Lau e Eu, durante um processo de escuta coletiva na Casa L&iacute;quida. Ao abrir m&atilde;o do controle absoluto da cria&ccedil;&atilde;o, Marina encontrou pot&ecirc;ncia na troca e descobriu, inclusive, que a pr&oacute;pria can&ccedil;&atilde;o falava sobre isso &ndash; sobre o que nasce quando nos permitimos abrir para o outro. O processo coletivo e afetivo da composi&ccedil;&atilde;o acabou por se refletir na pr&oacute;pria estrutura e sentimento da m&uacute;sica.

Menina - Marina Melo

Menina

A atmosfera da Casa L&iacute;quida volta a aparecer de forma expl&iacute;cita em "L&iacute;quida", uma can&ccedil;&atilde;o que parece suspensa no tempo, como se captasse um instante em que o ch&atilde;o se dissolve sob os p&eacute;s. Inspirada por uma frase escrita em um dos muros da resid&ecirc;ncia &ndash; &ldquo;n&atilde;o h&aacute; terra firme onde tudo se move&rdquo; &ndash; Marina comp&ocirc;s a faixa que encena o flerte entre duas pessoas que discutem o tempo enquanto o vivem, em um jogo de proximidade f&iacute;sica e reflex&atilde;o existencial. A m&uacute;sica &eacute; ao mesmo tempo concreta e vaporosa, como a experi&ecirc;ncia de estar em um lugar que parece transbordar sentidos.

Casa Líquida - Marina Melo

Líquida

"V&ecirc;nus", testada pela artista em alguns shows, chega ao disco com frescor da nova produ&ccedil;&atilde;o. Com uma linguagem direta e po&eacute;tica, a faixa versa sobre o amor como for&ccedil;a capaz de deslocar a percep&ccedil;&atilde;o da realidade. O afeto, aqui, funciona como uma suspens&atilde;o: uma paix&atilde;o t&atilde;o intensa que o fim do mundo parece, paradoxalmente, o in&iacute;cio de alguma coisa nova. A simplicidade l&iacute;rica da m&uacute;sica a torna instantaneamente pr&oacute;xima do ouvinte, como um segredo sussurrado ao p&eacute; do ouvido.

Vênus - Marina Melo

Vênus

A quinta faixa, "Doutor" toma um rumo mais dram&aacute;tico. A m&uacute;sica encena uma consulta m&eacute;dica entre uma paciente em sofrimento e um profissional indiferente. &Agrave; medida que avan&ccedil;a, a narrativa revela que a paciente &eacute;, na verdade, o pr&oacute;prio planeta Terra, em colapso diante da emerg&ecirc;ncia clim&aacute;tica. A met&aacute;fora ganha for&ccedil;a ao aproximar o corpo doente da Terra, gerando empatia e inquieta&ccedil;&atilde;o. A participa&ccedil;&atilde;o de Otto acentua a tens&atilde;o da can&ccedil;&atilde;o, com sua interpreta&ccedil;&atilde;o expressiva que encarna a urg&ecirc;ncia e a desesperan&ccedil;a do pedido n&atilde;o atendido.

Doutor - Marina Melo

Doutor

"Feed", explicitamente uma can&ccedil;&atilde;o do Lado B, mergulha na confus&atilde;o dos tempos digitais. A m&uacute;sica busca traduzir a avalanche de est&iacute;mulos contradit&oacute;rios e desconexos que habitam as redes sociais &ndash; mais especificamente, o feed do Instagram. Imagens justapostas, ru&iacute;dos e sobreposi&ccedil;&otilde;es criam um retrato do excesso informacional que paralisa e aliena. A colabora&ccedil;&atilde;o com a Filarm&ocirc;nica de Pas&aacute;rgada, nome essencial da cena contempor&acirc;nea de S&atilde;o Paulo, contribui para essa sensa&ccedil;&atilde;o de satura&ccedil;&atilde;o sonora, com vozes e arranjos se entrela&ccedil;ando como notifica&ccedil;&otilde;es que chegam sem cessar.

Feed - Marina Melo

Feed

J&aacute; "Prometeu" oferece uma cr&iacute;tica aguda &agrave; especula&ccedil;&atilde;o imobili&aacute;ria em S&atilde;o Paulo. Com um olhar ir&ocirc;nico e l&iacute;rico, Marina observa a verticaliza&ccedil;&atilde;o das cidades como um processo que rouba o c&eacute;u e o sol das pessoas, substituindo o horizonte por pr&eacute;dios cada vez mais altos. A can&ccedil;&atilde;o prop&otilde;e um jogo com tempos verbais e imagens urbanas, evocando tamb&eacute;m o mito grego de Prometeu &ndash; aquele que roubou o fogo dos deuses para entreg&aacute;-lo aos humanos. Aqui, a mitologia se entrela&ccedil;a &agrave; cr&iacute;tica social: se o fogo impulsionou o progresso, o mesmo avan&ccedil;o parece engolir agora o pr&oacute;prio c&eacute;u. No centro da faixa, o texto interpretado por Maur&iacute;cio Pereira amplia o impacto cr&iacute;tico da m&uacute;sica, enquanto faz ela se misturar ainda mais ao ch&atilde;o paulistano, campo base do compositor que &eacute; quase s&iacute;mbolo da cidade.

Prometeu - Marina Melo

Prometeu

A pen&uacute;ltima faixa, "Cidade", assume um tom ut&oacute;pico. Em oposi&ccedil;&atilde;o &agrave; S&atilde;o Paulo real &ndash; marcada pela desigualdade, pelos muros e pela viol&ecirc;ncia clim&aacute;tica &ndash; Marina canta uma cidade imaginada, onde o cuidado, a beleza e a conviv&ecirc;ncia florescem. A participa&ccedil;&atilde;o delicada de N&aacute; Ozzetti refor&ccedil;a essa fantasia que, ao ser cantada, denuncia o quanto ainda falta para alcan&ccedil;armos um espa&ccedil;o verdadeiramente habit&aacute;vel e humano.&nbsp;

Cidade - Marina Melo

Cidade

Encerrando o disco, ningu&eacute;m melhor que o pr&oacute;prio "Tempo", aqui costurando os fios que atravessam todo o trabalho: a intimidade, a urg&ecirc;ncia, o desejo de transforma&ccedil;&atilde;o. A m&uacute;sica enumera vontades pessoais &ndash; como ver as nuvens com o pai &ndash; e anseios coletivos &ndash; como um mundo que encontre outro rumo. &Eacute; um fecho sens&iacute;vel, que abre portas em vez de encerr&aacute;-las. Como o pr&oacute;prio t&iacute;tulo do disco sugere, Marina n&atilde;o prop&otilde;e respostas, mas convites. E ousar abrir, afinal, &eacute; tamb&eacute;m ousar sentir, lembrar, desejar &ndash; e criar.

Marina Melo apresenta seu terceiro álbum, ‘Ousar Abrir’

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