A exposição "Mulheres radicais: arte latino-americana, 1960-1985"conta com o trabalho de 120 artistas em mais de 280 obras. 

Qual foi o ponto de partida para a pesquisa?

Andrea Giunta: Optamos come&ccedil;ar pelos anos 60 porque foi nesse momento que o corpo ganha protagonismo na arte, especialmente pela performance e seus registros fotogr&aacute;ficos. Antes dessa d&eacute;cada, principalmente durante o p&oacute;s guerra, as artistas realizavam obras abstratas. No Brasil, nomes como Lygia Clark e Lygia Pape ganharam reconhecimento por essas express&otilde;es.

Eleta, Sandra

&nbsp;A arte parou de ser pol&iacute;tica com o fim da ditadura?&nbsp;

As obras s&atilde;o pol&iacute;ticas porque contradizem o sistema art&iacute;stico dominante. No per&iacute;odo que a exposi&ccedil;&atilde;o retrata, elas foram duplamente pol&iacute;ticas, por serem gestadas em um contexto de ditadura e por possu&iacute;rem o car&aacute;ter de den&uacute;ncia. N&atilde;o h&aacute; d&uacute;vidas que v&aacute;rias artistas da exposi&ccedil;&atilde;o vivenciaram a viol&ecirc;ncia da ditadura em seus pr&oacute;prios corpos. As uruguaias, em particular, passaram pela cadeia e pelo ex&iacute;lio. No entanto, n&atilde;o h&aacute; necessidade de ver a exposi&ccedil;&atilde;o como um mapa de viol&ecirc;ncia na Am&eacute;rica Latina. A viol&ecirc;ncia tamb&eacute;m est&aacute; presente em obras de artistas latinas nos Estados Unidos: Ana Mendieta fez uma performance sobre estupro a partir do que acontece nas universidades americanas. Isabel Castro, por sua vez, aborda o programa federal de esteriliza&ccedil;&otilde;es realizadas em mulheres por meio de retratos. A viol&ecirc;ncia contra as mulheres continua existindo e a arte &eacute; capaz de denunciar e atuar como um meio est&eacute;tico de conscientiza&ccedil;&atilde;o &ndash; n&atilde;o s&oacute; da viol&ecirc;ncia, mas tamb&eacute;m do direito das mulheres de decidirem sobre seus pr&oacute;prios corpos.

Voc&ecirc; v&ecirc; uma evolu&ccedil;&atilde;o da no&ccedil;&atilde;o do feminino durante este per&iacute;odo?

N&atilde;o me referia a uma ideia de evolu&ccedil;&atilde;o. Desde o fim dos anos 60, acontece a instaura&ccedil;&atilde;o da segunda onda do feminismo e que caracteriza esse &quot;momento cultural&quot;. A consci&ecirc;ncia coletiva acaba gerando muitas obras que problematizam o lugar da mulher, o erotismo, a sexualidade, a maternidade e a identidade &ndash; em v&aacute;rios pa&iacute;ses da Am&eacute;rica Latina. &nbsp;

Isso tamb&eacute;m torna poss&iacute;vel entender que existem muitos pontos de contato entre essas obras. Portanto, n&atilde;o h&aacute; evolu&ccedil;&atilde;o, mas um horizonte cultural compartilhado.

&nbsp;

Carvalho Josely

Naquele momento, alguns artistas se identificaram como artistas feministas &ndash; temos muito cuidado em respeitar como os artistas se identificaram. Em outras palavras, elas podem compartilhar agendas que s&atilde;o colocadas nos debates do feminismo, mas se elas n&atilde;o se auto-representam como feministas, n&oacute;s, como curadoras e historiadoras da arte, n&atilde;o as classificamos como feministas.

Em todo caso, como curadoras feministas, analisamos seus trabalhos a partir dos instrumentos fornecidos pelo feminismo. &Agrave;s vezes, essas artistas nem queriam ser identificadas como mulheres: o c&acirc;none patriarcal entende que a diferen&ccedil;a entre artistas masculinos e femininos &eacute; inv&aacute;lida e que apenas a qualidade conta. Elas queriam ser valorizados pela qualidade de suas obras e n&atilde;o por serem mulheres. O que eu perguntaria, nesse caso, &eacute; o que &eacute; qualidade na arte? Como ela &eacute; definida? Eu n&atilde;o recebi uma resposta at&eacute; agora, particularmente no caso da arte dos anos 60 em diante. Minha conclus&atilde;o &eacute; que a no&ccedil;&atilde;o de qualidade &eacute; uma ideologia instrumentalizada para manter uma articula&ccedil;&atilde;o no mundo da arte onde as mulheres n&atilde;o s&atilde;o representadas de maneira igual. Geralmente elas n&atilde;o constituem mais de 30%, no melhor dos casos.

Qual &eacute; o aspecto mais pioneiro no trabalho das artistas?

O que acho absolutamente radical &eacute; que elas representavam um novo corpo. O corpo feminino que at&eacute; ent&atilde;o tinha sido apenas representado pelo olhar patriarcal ou do desejo masculino. Historicamente, as mulheres fazem parte das cole&ccedil;&otilde;es de museus por seus retratos e nus feito por artistas masculinos.

Elas revertem esse cen&aacute;rio ao transformar esse olho, que se torna introspectivo, que navega o corpo, as emo&ccedil;&otilde;es e pap&eacute;is sociais. Ocorre uma revolu&ccedil;&atilde;o iconogr&aacute;fica, pois elas inauguram temas anteriormente inexistentes na arte. &nbsp;Fragmentam o corpo, por meio de explora&ccedil;&otilde;es como: o parto ou a menstrua&ccedil;&atilde;o (Johana Hamman, Evelia Maria Marmolejo, Sophie Rivera), psican&aacute;lise freudiana ou lacaniana (Mar&iacute;a Luisa Bemberg, Ana Maria Maiolino, Maris Bustamante, Feliza Bursztyn), medicina (Teresa Burga, Sandra Llano-kai), sociologia (Monica Mayer) e perspectiva queer (Polvo de Gallina Negra, Ana Mendieta). &nbsp;

Como &eacute; poss&iacute;vel ver o impacto da novas narrativas &ndash; como v&iacute;deo &ndash; na maneira que entendemos a arte atualmente?

&nbsp;O v&iacute;deo foi um instrumento de express&atilde;o que lhes permitiu explorar identidades em tr&acirc;nsito e processos de empoderamento. O v&iacute;deo, assim como a fotografia, estavam intimamente ligados &agrave; performance, uma linguagem que tamb&eacute;m facilita os processos de empatia dos espectadores com as obras. Mas, ao mesmo tempo, esses artistas expandiram a linguagem do v&iacute;deo, pelo seu teor altamente experimental. Penso em Narcisa Hirsch, Pola Weiss, Analivia Cordeiro, Anna Bella Geiger, Let&iacute;cia Parente, Ximena Cuevas, apenas alguns dos nomes presentes na exposi&ccedil;&atilde;o. Elas introduziram elementos conceituais e t&eacute;cnicos que ainda n&atilde;o foram estudados em profundidade. Inovadores em todos os sentidos. Ajudaram a moldar e transformar uma linguagem que surgiu nos anos setenta. &nbsp;

&nbsp;

Araujo, Martha-Hábito Habitante

Como surgiu o conceito de "radical"na exposi&ccedil;&atilde;o? 
Essas artistas s&atilde;o radicais em v&aacute;rios sentidos. Em primeiro lugar, porque experimentaram as diferentes linguagens da arte, levando-as a novos campos, a terras que ningu&eacute;m havia viajado at&eacute; ent&atilde;o. Segundo, porque trabalhavam em seus pr&oacute;prios corpos, levando-os a limites extremos: usavam seu sangue, seu corpo nu, costuravam sua pele, paravam na rua com mensagens que confrontavam o sistema repressivo, se colocavam em perigo. Elas tamb&eacute;m eram radicais porque, em muitos casos, trabalhavam durante ditaduras brutais, nas quais a censura atuava em diferentes n&iacute;veis. Resistiam a essa ordem repressiva por meio da express&atilde;o.
&nbsp;Qual foi a parte mais desafiadora durante o processo de curatorial? 
De muitas maneiras, essa exposi&ccedil;&atilde;o mudou minha vida, minhas estruturas te&oacute;ricas e minhas posi&ccedil;&otilde;es pol&iacute;ticas. Costumava, devo dizer, ser uma mulher patriarcal. Pensei que se uma artista n&atilde;o fosse reconhecida era porque ela n&atilde;o era boa. Hoje posso ver at&eacute; que ponto o mundo da arte articula uma censura sist&ecirc;mica que apaga o trabalho de mulheres artistas.
Me assumo hoje como uma feminista, historiadora de arte feminista e curadora, como ativista feminista que trabalha com muitas redes para tornar vis&iacute;vel a explora&ccedil;&atilde;o, a marginaliza&ccedil;&atilde;o e a criminaliza&ccedil;&atilde;o das mulheres em nossa sociedade.
Um curador especializado em arte latino-americana nos confessou que das 125 artistas ele n&atilde;o conhecia mais de 40. O tom de sua reflex&atilde;o foi o de pesar: como essas obras foram perdidas? A exposi&ccedil;&atilde;o &eacute;, nesse sentido, um aviso: estamos perdendo por n&atilde;o conseguirmos ver. &Eacute; necess&aacute;rio que a igualdade chegue no mundo da arte.

Artistas latino-americanas são destaque de nova exposição

Tags

Posts relacionados

Pop culture

The Handmaid's Tale ganha exposição com 45 looks

Moda

MET apresenta exposição de moda com tema Heavenly Bodies

Moda

Exposição faz homenagem à moda dos anos 1930

Posts recomendados

Pop culture

Matthew McConaughey e Camila Alves fizeram pacto curioso

Pop culture

Coachella 2025 reúne Lady Gaga, Anitta e mais

Pop culture

Kate Winslet e Leonardo DiCaprio: reencontro após quase 30 anos

Hommes

Gugu: como está a partilha de sua herança após 5 anos?

Viagem

Riviera Francesa: 2 hotéis da Oetker Collection com conceito de luxo

Wellness

Saúde: por que não existe uma dieta perfeita?

Hommes

Saúde: os benefícios potentes do açafrão, cúrcuma e páprica

Pop culture

Kate Moss: sua irmã é hospitalizada por superdosagem de remédio